Cabo Ligado Semanal: 6-12 de Setembro

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Em Números: Cabo Delgado, Outubro 2017-Setembro 2021

10 Setembro 2021.

  • Número total de ocorrências de violência organizada: 989

  • Número total de vítimas mortais de violência organizada: 3,306

  • Número total de mortes reportadas de alvos civis: 1,492

Acesse os dados.

Resumo da Situação

A maior parte dos confrontos em Cabo Delgado continua a ter lugar  fora do alcance da cobertura mediática. A semana passada trouxe relatos vagos de combates em curso nos distritos de Mocímboa da Praia e norte de Macomia, com um artigo a sugerir que as tropas moçambicanas e aliados estrangeiros estavam às portas de uma grande base dos insurgentes na área, designada Siri 1, no  dia 8 de Setembro. Não há estimativas disponíveis de baixas dos combates. 

Alguns relatos de incidentes mais específicos, no entanto, trouxeram uma visão sobre a situação em Cabo Delgado na semana passada. No dia 10 de Setembro, seis civis entraram em Nanjaba, uma aldeia a cerca de 16 quilómetros a norte da vila de Macomia. O grupo, formado por mulheres e crianças, relatou que estavam sob custódia dos insurgentes por muitos meses e haviam fugido recentemente. Sua fuga é provavelmente o resultado de insurgentes deixando áreas de base assentadas no sul do distrito de Mocímboa da Praia em face do avanço das forças pró-governo. No entanto, levanta questões sobre a localização das dezenas, senão centenas de civis que se estima estarem sob custódia dos insurgentes na área. Relativamente poucos civis foram relatados como recuperados desde o início da ofensiva do governo no sul de Mocímboa da Praia.

De acordo com vários relatos, tropas de Moçambique, Ruanda e da Missão da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) em Moçambique (SAMIM) foram destacadas para a província de Niassa desde o dia 11 de Setembro. Tropas ruandesas e da SAMIM foram vistas na capital provincial de Lichinga. Espera-se que os soldados persigam suspeitos de pertencerem à insurgência na província, incluindo alguns que possam estar a recuar na sequência de perdas territoriais dos insurgentes em Cabo Delgado. Nenhum relato de um confronto real em Niassa foi confirmado até o momento. Numa recente conferência de imprensa, o presidente ruandês Paul Kagame informou que suas forças haviam obtido inteligência de que os insurgentes estavam a planear uma expansão para o Niassa.

Por volta de 12 de Setembro, os insurgentes emboscaram uma coluna blindada ruandesa numa estrada entre Mbau e Indegue, no sul do distrito de Mocímboa da Praia. Detalhes sobre o ataque ainda não são claros - ainda não há estimativa de danos ou relatos de baixas disponíveis. O que parece claro é que o veículo na liderança da coluna, um veículo de combate de infantaria Ratel de fabrico sul africano, foi desativado por um explosivo terrestre. Os relatos divergem quanto à natureza do explosivo - alguns dizem que foi uma mina terrestre, outros que foi um dispositivo explosivo improvisado (IED) e ainda outros que foi um IED feito de pelo menos uma mina terrestre. Cabo Ligado pode confirmar que uma investigação posterior do local da explosão indicou que havia pelo menos elementos de minas terrestres envolvidos no explosivo. Outro veículo da coluna foi atingido por uma granada propelida por foguete a uma distância tão próxima que a granada não explodiu.

O relato é preocupante, tanto porque indica o retorno do uso de minas terrestres em Moçambique como sugere uma nova tática dos insurgentes. Um relato recente de que as forças moçambicanas utilizavam minas terrestres anti-veículos no distrito de Muidumbe foi veementemente refutado pelas autoridades moçambicanas, que reiteraram a oposição do país a uma arma que causou mortes e destruição em massa de civis ao longo da história de Moçambique. No entanto, se as minas antipessoal (que não estão cobertas pela proibição de minas antipessoal prevista no Tratado de Ottawa, do qual Moçambique faz parte) aparecem em arsenais de insurgentes, isso sugere fortemente que estão disponíveis para serem roubadas das forças do governo moçambicano.

O uso de minas terrestres e / ou IEDs é uma inovação para a insurgência de Cabo Delgado. Se o grupo tiver os suprimentos e os conhecimentos necessários para lançar emboscadas semelhantes, tais ataques podem ser uma grande ameaça para as tropas moçambicanas e para os intervenientes estrangeiros. As forças do Ruanda e (até este ponto) do SAMIM abraçaram largamente o conceito operacional moçambicano de permanecer nas estradas, viajando principalmente em veículos blindados. Isso deixa quase todas as forças pró-governo vulneráveis ​​a explosões na beira das estradas, particularmente considerando como poucas estradas importantes existem na província que podem suportar veículos blindados pesados. 

Foco do incidente: Distribuição de Alimentos

A última edição do Semanário Cabo Ligado observou que, devido a restrições orçamentárias, o Programa Mundial de Alimentação havia feito apenas um desembolso de ajuda alimentar para civis deslocados em julho para cobrir julho e agosto e faria um único desembolso em setembro para cobrir setembro e outubro. Essa distribuição ocorreu na semana passada e os resultados destacam alguns dos desafios e sucessos que a comunidade internacional tem tido na tentativa de servir os deslocados residentes de Cabo Delgado. 

No distrito de Montepuez, o desembolso veio sob a forma de cheques, permitindo aos destinatários comprarem alimentos no valor de 3.600 meticais ($56,43 dólares) nos retalhistas que aceitem os cheques. Pelo menos um centro de reassentamento de deslocadas no distrito recebeu cheques para o dobro desse valor, uma vez que tinham sido deixados de fora do desembolso de Julho. Os cheques são bem-vindos, especialmente entre as populações deslocadas que carecem de apoio, mas também estão a conduzir a inflação dos preços, limitando o poder de compra dos deslocadas. Nos distritos de Montepuez e Balama, os preços do açúcar aumentaram 20% e os preços do peixe subiram 75% em antecipação aos desembolsos dos cheques. Nas mesmas lojas, um saco de arroz de 25 quilos custa agora mais da metade do valor total do cheque.

Em Sunate, uma aldeia no distrito de Ancuabe, a ajuda veio sob a forma de alimentos. As pessoas da lista de distribuição em Ancuabe receberam 50 quilos de arroz, quatro litros de óleo de cozinha e 10 quilos de feijão - muito mais do que se pode comprar com cheques em Montepuez a preços inflacionados. Relatos do local em Sunate indicam que o desembolso de alimentos foi bem organizado e que as pessoas estavam largamente satisfeitas por ser justo. 

No dia 9 de Setembro, nenhuma distribuição de ajuda alimentar havia chegado a Nachitenje, no distrito de Mueda. Os deslocadas no local relataram que já tinham consumido toda a ajuda distribuída no mês de julho e que precisavam urgentemente de reabastecimento e de uma fonte próxima de água potável. Os habitantes locais esperam que um carregamento de alimentos chegue nos próximos dias.

No distrito de Chiure, 300 deslocados que viviam no local de reassentamento de Katapua relataram ter sido preteridos para distribuição de ajuda alimentar, por terem sido deixados de fora da lista de distribuição do local. Na semana que iniciou a distribuição, nenhum progresso foi feito para colocar os 300 no sistema com vista a receberem ajuda. A entrega de ajuda alimentar tem sido um desafio em Katapua. Uma avaliação feita em Janeiro de 2021 constatou que as pessoas deslocadas não tinham acesso a alimentos suficientes e que as entregas de ajuda alimentar na área estavam atrasadas dois meses. 

Mais a sul, na província de Nampula, os deslocados que viviam na capital provincial receberam ajuda alimentar directa sob a forma de arroz, óleo de cozinha, feijão e outros bens. O desembolso foi bem-vindo, mas muitos queixaram-se de corrupção no processo de distribuição. Os líderes locais supostamente incluíram membros de suas redes patrimoniais nas listas de distribuição, desviando parte da ajuda das pessoas deslocadas. Este fenômeno tem sido reportado frequentemente em Cabo Delgado. 

Finalmente, existe uma confusão significativa sobre o estado da ajuda alimentar no distrito de Macomia. Até 12 de Setembro, não tinham sido feitos desembolsos de ajuda na vila de Macomia. Alguns na área acreditam que Macomia está a ser propositalmente excluída da distribuição devido a um situação que civis locais tiveram com o Presidente Moçambicano Filipe Nyusi durante uma visita presidencial à vila, na qual os habitantes locais disseram preferir que o presidente se concentrasse em acabar com o conflito do que em distribuir ajuda. A falta de alimentos no distrito está a levar os pescadores a voltarem à costa de Macomia para pescar, uma viagem que tem gerado  interações negativas com os insurgentes na área.

Resposta do Governo

Para além da distribuição de alimentos, houve outros passos em frente na semana passada na melhoria da qualidade de vida dos civis de Cabo Delgado. A distribuição da energia elétrica expandiu-se no norte da província, com o distrito de Nangade novamente iluminado pela primeira vez desde que os insurgentes destruíram a subestação elétrica de Awasse. O restabelecimento da electricidade levou também ao regresso dos serviços bancários a Mueda, onde o Banco Comercial e de Investimentos e as agências do Millennium Bim estão de novo em funcionamento. O Ministro da Energia, Max Tonela, anunciou na semana passada que o financiamento para a reparação da rede elétrica em Cabo Delgado - cerca de 21 milhões de dólares  no total - provém de dinheiro que tinha sido planeado para projetos de expansão da rede em outras partes de Moçambique. Esta mudança reflete a alta prioridade que o ministério de Tonela atribui à melhoria das condições em Cabo Delgado, mas também mostra como a Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN) não está preparada para desempenhar um papel importante na reconstrução da província. 21 milhões de dólares é uma pequena porção do orçamento da ADIN e, se a agência estivesse pronta para gastar o dinheiro, poderia presumivelmente ter sido transferido para cobrir os custos do Ministério de Energia em vez de forçá-lo a atrasar trabalhos importantes mais ao sul.

Apesar dessas melhorias, os deslocados continuam a receber sinais contraditórios sobre seu futuro. As autoridades alertaram na semana passada os moradores de Miteda, distrito de Muidumbe - e, por extensão, qualquer pessoa deslocada que queira retornar à área - a desocupar a área indefinidamente. As tropas moçambicanas e ruandesas estão a patrulhar a área e acreditam que existem postos avançados de insurgentes que ainda não descobriram. 

Por outro lado, os deslocados que receberam seus cheques de ajuda alimentar em Pemba foram informados de que este poderia ser seu desembolso final de ajuda e instados a prepararem-se para regressar às suas comunidades de origem. Dado o tempo limitado disponível para iniciar a produção agrícola antes da chegada da estação chuvosa, uma decisão sobre se e quando enviar as pessoas de volta para suas casas terá que ser tomada em breve. Caso contrário, as autoridades correm o risco de separar as pessoas da ajuda alimentar durante a estação de escassez, quando elas não têm safras para colher no outono.

No entanto, em vez de debater-se publicamente com estas difíceis decisões, o governo moçambicano optou por se concentrar nos aspectos positivos nos últimos dias. Num discurso no dia 7 de Setembro, o Presidente Nyusi afirmou que todas as vilas e aldeias de Cabo Delgado estão de volta às mãos do governo. Nyusi aproveitou o discurso para voltar ao tema frequentemente repetido de que os moçambicanos envolvidos na insurgência aderiram com base apenas em incentivos monetários e que os interesses políticos estrangeiros movem o grupo. Os seus comentários foram feitos depois da Ministra dos Negócios Estrangeiros Verónica Macamo ter alardeado os primeiros sucessos da intervenção do Ruanda em Cabo Delgado, talvez sublinhando a elementos cépticos dentro da Frelimo os benefícios da estratégia de cooperação internacional de Nyusi.

A seguir, na agenda do governo parece ser um esforço para que a TotalEnergies volte a trabalhar no projeto de gás natural liquefeito da empresa no distrito de Palma. Tonela disse aos jornalistas na semana passada que um “novo cronograma” para o projeto seria traçado assim que a situação de segurança melhorasse o suficiente para justificá-lo. Tem havido sugestões nos media - talvez plantadas por fontes do governo moçambicano - de que a TotalEnergies está ansiosa para retomar os trabalhos o mais rápido possível, mas não há indicações da própria empresa de que seja esse o caso. Em vez disso, o director nacional da empresa em Moçambique continua focado em cortar custos durante a paralisação da obra.

Na frente internacional, o Presidente Ugandês Yoweri Museveni estendeu a sua guerra de palavras com o seu homólogo ruandês para incluir o destacamento do Ruanda em Cabo Delgado. Numa  entrevista, Museveni disse que era um tolice intervir em Cabo Delgado sem abordar o grupo das Forças Democráticas Aliadas (FAD) associado ao Estado Islâmico grupo na República Democrática do Congo (RDC), como o FAD, afirmou, fornece apoio material aos insurgentes moçambicanos. Embora ambos os grupos estejam sob a égide da Província da África Central do Estado Islâmico, não há evidências públicas concretas de que o FAD tenha fornecido apoio externo significativo à insurgência de Cabo Delgado. Museveni declarou que está disposto a enviar tropas de Uganda à RDC para enfrentar o FAD, mas aguarda um convite do governo congolês para o fazer.

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